Profissionais em licença médica foram pressionados
a aderir ao programa de demissão voluntária, segundo operação inédita do
Ministério do Trabalho e Emprego; para auditores, política de contratação do
banco também apresenta problemas, como empregar mulheres e negros em cargos
inferiores e com salários mais baixos
Maior instituição financeira do
país, o Itaú Unibanco teria usado um programa de desligamento voluntário (PDV)
como “política de descarte” de funcionários idosos e adoecidos, segundo
operação realizada ao longo de um ano e meio por auditores fiscais do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE).
A fiscalização afirma também que
a política de contratação do banco levou “à redução da igualdade de
oportunidade no trabalho e de tratamento no emprego” para mulheres e negros.
Segundo os auditores, isso prejudicou a ascensão profissional desses grupos,
admitidos na empresa em cargos com salários mais baixos.
O relatório de 70 páginas da
investigação, ao qual a Repórter Brasil teve
acesso, aponta 18 autos de infração por infrações trabalhistas diversas. O Itaú
é a primeira empresa fiscalizada por um grupo especial de auditores fiscais do
MTE criado para o combate à discriminação e ao assédio.
A operação partiu do cruzamento
de dados de bases oficiais do governo, como o eSocial, o Caged (Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados) e a Rais (Relação Anual de Informações Sociais),
com informações de 132 mil empregados diretos do banco. Além disso, foram
vistoriadas 53 agências em quatro estados – Bahia, Minas Gerais, Paraíba e
Pernambuco – e entrevistados 300 trabalhadores.
Em nota, o Itaú afirma discordar
dos critérios utilizados pela fiscalização e diz já ter apresentado defesa ao
Ministério do Trabalho — confira aqui a íntegra
da resposta. A análise dos recursos vai determinar se a instituição será ou não
multada.
Descarte de trabalhadores
adoecidos
De acordo com os auditores
fiscais, os requisitos do programa de desligamento voluntário criado pelo Itaú
no início de 2022 teriam sido desenhados para estimular a saída de funcionários
de idade avançada e, principalmente, de empregados com problemas de saúde — em
alguns casos, relacionados a doenças ocupacionais.
Dos 1.501 funcionários que
aderiram ao PDV no ano passado, 85% estavam afastados há pelo menos 30 dias por
motivo de doença ou acidente, ou se encontravam em estabilidade provisória após
tratamento médico. Somados aos idosos, eles totalizavam 93,9% do público inscrito
no programa.
O relatório sustenta que
trabalhadores com esses perfis, e que não se inscreveram no PDV, foram
“assediados” com e-mails e mensagens de SMS para entrar no programa.
Cicatrizes
na mão e no cotovelo de bancário do Itaú decorrentes de cirurgias para tratar
doenças provocadas pelo esforço repetitivo. Aos 56 anos, ele foi pressionado
para aderir ao PDV em 2022, mas não aderiu e foi demitido (Crédito: Arquivo
pessoal)
A Repórter Brasil conversou com um bancário que
trabalhou por 13 anos em uma agência do Itaú em Salvador (BA) e falou sob
anonimato.
Ao longo desse período, ele
relata ter se afastado em três oportunidades para realizar cirurgias. Uma foi
motivada por uma epicondilite — inflamação nos tendões do cotovelo. As outras
duas tiveram como causa a síndrome do túnel do carpo, compressão dos nervos da
mão que provoca dormência e formigamento.
Essas doenças são comumente
desenvolvidas por trabalhadores submetidos a movimentos repetitivos, como é o
caso de bancários.
No ano passado, o bancário diz
ter recebido mensagens de seus superiores, fora do horário de expediente,
insistindo para que aderisse ao programa de desligamento voluntário. No
entanto, acabou recusando e foi demitido no início de julho deste ano. “Recebi várias
mensagens na madrugada”, reclama.
Na nota enviada à reportagem, o
Itaú rebate as críticas sobre o PDV e afirma ter oferecido aos interessados
“uma transição de carreira segura, com salários adicionais e manutenção de
benefícios”.
Discriminação estrutural de
mulheres e negros
A fiscalização avaliou também os
critérios utilizados pelo banco para contratação e promoção de profissionais, e
constatou a falta de parâmetros objetivos e de um plano de carreira para os
trabalhadores, o que teria prejudicado mulheres e pessoas negras.
Segundo os auditores fiscais do
MTE, o Itaú reserva a homens e pessoas não negras “os cargos mais bem
remunerados”, e dificulta a ascensão profissional para mulheres e funcionários
negros. Trata-se de “discriminação estrutural”, nas palavras da auditora Marina
Cunha Sampaio, coordenadora da fiscalização.
“Existe um viés de contratação
que empurra mulheres, principalmente as negras, para um patamar inferior em
relação a homens, em especial não negros, e que não é justificado pela escolaridade.
Para o início de carreira, o único padrão verificado é a desigualdade”, aponta
o relatório da operação.
O impacto disso se refletiria na
remuneração. Ao comparar o salário médio dos 132 mil funcionários do banco, por
gênero e cor, a fiscalização identificou que mulheres recebem 25% a menos do
que homens, e os negros ganham 27% menos do que os não negros.
A comparação não considera
trabalhadores com o mesmo cargo, mas sim com o mesmo grau de escolaridade, já
que as bases de dados do governo não informam os salários por função. Os
auditores fiscais afirmam ter solicitado essas informações ao Itaú, sem
sucesso.
No caso das mulheres negras,
ainda que tenham o mesmo nível de instrução dos funcionários homens e não
negros, elas chegam a ganhar 52% a menos.
“Esses resultados salariais
refletem o mercado de trabalho brasileiro, que tem as mulheres negras na base,
depois os homens negros, as muheres brancas e homens brancos [no topo]”, diz
Sampaio.
Em nota, o Itaú informa que “as
situações de diferenças salariais são pequenas e pontuais, e estão sendo
corrigidas com tempestividade”. A empresa reconheceu que tem responsabilidade
“em promover a equidade salarial para todos os seus colaboradores”.
Constrangimentos e “metas
absurdas”
Durante as inspeções nas agências,
os auditores do Ministério do Trabalho também relataram a existência de murais
para expor dados sobre produtividade dos funcionários do Itaú. A prática é
proibida pela convenção coletiva firmada entre o sindicato da categoria e o
banco.
O relatório destaca ainda
“constrangimentos” enfrentados pelos funcionários da empresa, “para que sejam
alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais”. Um exemplo
é a necessidade de ofertar produtos não adequados aos clientes, apenas para
bater metas.
“A gente brinca que ninguém aqui
vai pro céu. Imagina oferecer um crédito consignado para alguém que já está com
boa parte de sua renda comprometida com pagamento de dívidas”, disse um dos
funcionários em depoimento aos auditores fiscais.
Na avaliação da presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Neiva Ribeiro, os episódios de adoecimento se devem à cobrança de metas que ela classifica como “absurdas”. Para ela, não há motivo para “pressão tão grande”, nem para demissões, em razão do elevado lucro da companhia — R$ 20,7 bilhões, em 2022.
Fonte: Daniel Camargos - https://reporterbrasil.org.br/2023/07/itau-descartou-idosos-e-adoecidos-em-programa-de-demissao-diz-fiscalizacao-do-trabalho/
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